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Projeto da UFPB promove formação para fortalecimento de jovens lideranças do povo indígena Potiguara
É sábado de manhã em uma das 32 aldeias Potiguara espalhadas pelo litoral da Paraíba. O sol já desenha sombras entre as árvores e uma roda começa a se formar. Jovens chegam aos poucos, com olhares atentos, no centro da roda, o saber ancestral espera para ser passado adiante. Não é uma escola comum, mas a formação reúne o essencial: escuta, identidade, território e pertencimento.
Esse é o cenário do Projeto Anama: fortalecendo lideranças e juventudes no território Potiguara, uma iniciativa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que, desde 2022, promove ações de capacitação voltadas para jovens indígenas, que valorizam as raízes e a identidade do Povo Potiguara.
A formação de jovens lideranças indígenas ocorre por meio de cursos itinerantes que percorrem mais da metade das aldeias Potiguara em solo paraibano, como Grupiúna, Brejinho, Alto do Tambá e São Francisco, por exemplo.
O curso Anama, que em tupi significa “família”, já formou mais de 200 jovens desde o início do projeto e em 2025, outros 70 seguem no mesmo caminho de redescoberta e fortalecimento de sua identidade étnica.
“Foi excelente”, resume Andriely Potiguara, 22 anos, que passou de cursista em 2024 a uma das coordenadoras de atividades no projeto em 2025. Hoje, estudante de Serviço Social na própria UFPB, Andriely conta que o Anama a ajudou a reavivar a questão da identidade, se autoconhecer, ver que pode estar em vários espaços e falar sobre o seu povo. Sua fala ecoa um dos principais objetivos do projeto: capacitar para que a juventude Potiguara não apenas ocupe espaços, mas transforme-os com suas raízes.
“A gente entende que alguns aspectos da própria identidade e cultura potiguara foram se perdendo com o passar do tempo, e a partir do momento que eu entrei no Anama ele me abriu portas para isso, foi uma imersão cultural, foi o reavivamento da minha cultural enquanto indígena potiguara, e são vários os aspectos positivos que eu vejo, a gente tem muitos cursistas jovens, temos professores, temos anciões, lideranças, Capitão Potiguara sempre está com a gente colaborando, eu vejo de forma muito positiva o projeto e o curso Anama”, concluiu Andriely Potiguara.
A semente do Anama foi plantada a partir de um pedido direto das próprias lideranças Potiguara ao Campus IV da UFPB, em Rio Tinto, que fica próximo à Terra Indígena de Monte-Mor. As lideranças buscavam uma forma concreta de mobilizar a juventude para ações coletivas que fortalecessem a identidade étnica e a proteção do território, não apenas com discursos, mas com formação e ação enraizadas no cotidiano das aldeias.
Leandro Itapuã Potiguara, uma das vozes que ajudaram a moldar o que o Anama viria a ser, segue como um dos coordenadores da ação. Ele conta que viu no curso uma oportunidade de reaproximação entre os jovens e os saberes tradicionais.
“Esse projeto é de suma importância para nossa juventude. A partir das temáticas abordadas e discutidas nos nossos encontros, ela tem demonstrado mais interesse no fortalecimento das nossas tradições, costumes e crenças. Além disso, muitos têm se destacado nas ações desenvolvidas dentro de suas aldeias, seja no desenvolvimento sustentável, na preservação do meio ambiente ou no fortalecimento do movimento indígena como um todo”, destaca Leandro.
O líder indígena afirma que o curso vem cumprindo seus objetivos anualmente, de uma forma que surpreendeu os organizadores. “Só temos que agradecer ao nosso Deus Tupã e aos encantados por estarem nos conduzindo nesse projeto e nos dando sabedoria, discernimento e resistência para continuarmos firmes e fortes. Anama é coletividade, Anama é Família”, concluiu Leandro Potiguara.
Uma comissão formada por indígenas planeja os módulos, seleciona os temas e convida os facilitadores que também são, em sua maioria, membros do próprio povo Potiguara. As temáticas abordadas fortalecem a identidade étnica e valorizam questões relevantes para aquele povo.
Além das temáticas dos módulos, os coordenadores organizam também a logística nos locais de formação, transporte, alimentação e outros.
Enquanto projeto de extensão na UFPB, o curso é coordenado pelas professoras Kelly Emanuelly Oliveira, do Departamento de Ciências Sociais, do Centro de Ciências Aplicadas e Educação (CCAE), e Carolina Aragon, do Departamento de Língua Portuguesa e Linguística do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
A aldeia como sala de aula
O curso acontece de forma itinerante e coletiva, aos sábados, reunindo cerca de 70 participantes por turma. Os módulos abordam temas como rituais sagrados (a exemplo do Toré), grafismo corporal, meio ambiente, gênero, audiovisual e sustentabilidade. Em cada oficina, há espaço para a oralidade, para a escuta dos mais velhos, para a valorização da língua e das tradições Potiguara, bem como para a reflexão crítica sobre os desafios atuais, como o racismo e a saúde indígena.
Neste ano o curso já realizou dois módulos. No primeiro, denominado rituais, aconteceram atividades de fortalecimento do conhecimento sobre práticas rituais dos povos, realização de Toré, e reflexão com anciões os significados da ancestralidade e da espiritualidade Potiguara.
No módulo oficinas foram realizadas a oficina de Beiju e grafismo corporal. A oficina de Beijú, por exemplo, foi ministrada pela oficineira Angelina do Beiju, na aldeia Alto do Tambaba. Na ocasião, os participantes aprenderam desde a colheita da mandioca, o peneiramento da goma com as técnicas e tradições, até a finalização do prato.
“Estamos fechando o módulo de oficinas com uma atividade sobre a língua Tupi e reflexões sobre sustentabilidade”, conta a professora Kelly Oliveira. Segundo ela, o curso valoriza a autonomia do povo na definição das demandas a serem incorporadas dentro e fora do curso e tem resultado em um incentivo cada vez maior à formação de novos coletivos indígenas, capacitação em projetos e valorização da entrada de jovens nos diálogos políticos dos Potiguara.
O curso segue com atividades até novembro.
Reconhecimento que vem de dentro e de fora
O Anama foi reconhecido em 2024 com o Prêmio Elo Cidadão, oferecido pela Pró-Reitoria de Extensão (Proex) da UFPB, como um dos melhores projetos de extensão da universidade.
“O Prêmio Elo Cidadão vem fazer, então, o justo reconhecimento da proposta do Anama, que serve hoje de exemplo, inclusive a outros povos indígenas e coletivos sociais, de uma proposta de inclusão e valorização da autonomia das comunidades e na importância da Universidade como espaço de valorização da relação política e acadêmica com a sociedade”, destaca Kelly Oliveira.
O projeto também conta com o apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Distrito Sanitário Especial Indígena Potiguara e, pontualmente, das prefeituras de Baía da Traição e de Rio Tinto.
Fotos: Comunicação Anama